A segunda Protagonista do Editorial temático passou a fazer parte do meu raio analítico há exatos 180 dias. No mesmo dia em que este texto for publicado completa seis meses que conheci a Gerente da Comunidade de Atendimento Socioeducativo Zilda Arns, Katia Cerqueira Pinheiro. Dentre as quatro selecionadas para a II Edição, ela é a que mais oferece indícios para a elaboração textual, considerando o atual recorte, porque estamos muito próximas profissionalmente: Katia é minha chefe.
Tem gente que vai achar que estou querendo fazer média com ela, tem gente que pode achar que sou portadora de uma coragem atrevida [e existe algum nível de verdade nisso] mas, o fato é que quando ficou estabelecido que celebraríamos as mulheres que estão à frente de gestões em Instituições públicas baianas, seu nome não poderia ficar de fora.
Dependendo da perspectiva que for vista, a excepcionalidade de escrever sobre a minha chefe pode ser positiva, apesar de arriscada mas, seja como for, tenho o privilégio de observar sua atuação bem de perto. E sobre sua performance à frente CASE, nota-se pontos interessantes e inspiradores: ela chega cedo e, com exceção das agendas externas, cumpre como qualquer outro profissional o horário funcional na Unidade; exercita ativamente a escuta acolhedora; olha nos olhos das pessoas e fala muito através de seus olhos; e, se posiciona sempre que se faz necessário.
Atualmente, Katia é gestora de 182 profissionais que estão alocados em áreas como Portaria, Segurança, Recepção, Higienização, Manutenção, Patrimônio interno, Vigilância patrimonial, Administrativo, Manutenção predial, Pedagógico, Psicossocial, Saúde, Jardinagem, Recursos Humanos e Transportes. Entre colaboradora[e]s da Unidade é quase uma unanimidade, por ela, muita gente dá um jeitinho e é muito difícil negar um pedido seu. De acordo com a Coordenadora de alojamentos, Katiane Caldas, isso é porque “ela tem um coração imenso”.
Natural de Salvador, mais precisamente da Baixa de Quintas, única filha entre quatro irmãos [todos na carreira militar], mãe de um menino e uma menina, Pedagoga, candomblecista e filha de Oxum, sabe recepcionar e acolher como poucas pessoas. Porém, não se engane e acredite, a metáfora popular sobre a rapadura lhe é correspondente “ela é doce, mas não é mole”.
Com bom humor, fala de sua dieta e dos embates com a balança, mas é daquelas que oferece comida em todas as atividades que promove. A partir do que foi dito durante a nossa conversa, que durou quase 1h, acredito que isso vem de sua tradição familiar, porque sua mãe trabalhou como Cozinheira durante boa parte da vida, tendo inclusive, um Restaurante: “era ali em Macaúbas, bairro que é perto do Barbalho, ela fazia aquela coisa: quem tinha dinheiro comia e quem não tinha comia do mesmo jeito. Nós sempre fomos procuradas por pessoas em vulnerabilidade social e ela sempre abarcou todo mundo. Tanto que por muito Tempo esse Restaurante não tinha lucro nenhum, porque o lucro era revertido pra produzir uma sopa, uma janta com o que sobrou”.
O ingrediente que motivava a atuação da mãe de Katia em favor das pessoas vulnerabilizadas, muitas delas em situação de rua, é a gratidão. Isso porque, tendo também experimentado dificuldades financeiras, quando se estabeleceu na vida fazia questão de ser solidária, assim como, agiram consigo: “minha mãe dizia que veio da pobreza extrema, minha avó materna era lavadeira e, quando ficou viúva, lavava roupa na Base Naval para sustentar os 8 filhos… ela saía andando do bairro da Cidade Nova com a trouxa de roupa na cabeça e minha mãe ajudava”.
Assim como no restaurante popular de sua mãe, o alimento ofertado nas atividades que Katia promove nutre não só o corpo físico, mas também aproxima e fortalece os laços entre a Gestora e as pessoas que colaboram para o funcionamento da Unidade. Nesse sentido, diferentemente da maioria das Instituições, ser convidada[o] a comparecer à sala da Gerência da CASE Zilda Arns não é necessariamente sinônimo de problemas.
Durante a entrevista, que aconteceu em sua sala recém reformada, seu celular tocou, a porta foi aberta algumas vezes por pessoas buscando informações ou tentando contactá-la, o que demonstra que sua gestão é conduzida com a presença. Mas, é assim, cada 1 que lute pra encontrar seu espaço na agenda da negona, inclusive, apesar de agendada há alguns dias, nossa conversa só aconteceu quando me posicionei em frente a porta de um dos setores [onde participava de +1 reunião] e, ao encontrá-la, disse que só ia desgrudar depois que ela falasse comigo.
Profissionalmente, a filha de dona Joselita da Silva [que só tinha o curso primário], se formou em Magistério e Pedagogia para satisfazer o desejo da mãe porque “ela queria uma filha Professora”. Por alguns anos trabalhou como Caixa Geral na extinta Empresa Baiana de Alimentos [EBAL/Cesta do Povo] mas, aderiu ao programa de demissão voluntária “porque o serviço burocrático não me fazia feliz”. Na sequência, enquanto trabalhava no Banco Bradesco, prestou concurso e conquista a aprovação para atuar na Fundação da Criança e do Adolescente [FUNDAC], onde permanece e atua há 27 anos.
De início, Socioeducadora na CASE CIA, mas fazendo valer sua condição de mulher em movimento, aceitou vencer os desafios que se apresentaram quando foi convidada a atuar em outras áreas na Instituição: interinamente, como Coordenadora Técnica; Coordenadora Pedagógica; Gerente Volante; Monitora dos processos de implantação e implementação das Unidades de Semiliberdade na Bahia. E, também, a atuação enquanto Gerente nas Unidades de Feira de Santana, “a proposta é que fosse pra ficar alguns meses e já completa 7 anos que estou aqui”.
Conforme nos disse, tudo isso só é possível pelo voto de confiança que recebe de sua “Gestora maior”, a Diretora Geral da FUNDAC, Regina Affonso de Carvalho: “sei que não é fácil pra ela garantir minha estadia aqui, eu, Katia, uma pessoa que veio das bases sociais que eu vim, e eu agradeço muito a ela e a toda rede de apoio que me possibilita estar aqui. Não vou citar nomes, mas quem tiver acesso a essa entrevista vai se sentir representado”.
Quando perguntada sobre a ocorrência de situações categorizadas como violências de gênero, cita diversos episódios e para todos eles, aponta o devido enfrentamento: “a gente sente a violência de gênero, da questão racial, as questões religiosas, tudo isso atravessa a gente. Não sei se outros Gestores, em outras Instituições do governo passam por isso, mas dentro do processo socioeducativo a gente passa”.
Foi dito no primeiro parágrafo que Katia é a protagonista que mais oferece indícios para composição textual, possibilitando um bom exercício analítico para qualquer Jornalista tão observadora quanto essa que vos escreve. Mas, isso também dificulta a conclusão do trabalho porque a sensação é que muitas coisas ainda poderiam ser abordadas. Como o texto é finito e já teve sua configuração padrão alterada [porque esse povo de Oxum altera e personaliza qualquer padrão], o encerramento é feito com o anúncio da criação de um núcleo da Associação Mulheres que Apoiam Mulheres [AMAM], em Feira de Santana.
Com sede na capital do estado, no bairro da Liberdade, a AMAM busca viabilizar a emancipação de mulheres vulnerabilizadas através da oferta de cursos formativos, onde as cursistas aprendem, entre outros, a rentabilizar a oferta de seus serviços. Essa é uma articulação que Katia tem feito e sobre isso ainda não se pode revelar muita coisa. O que pode ser dito é que a sede da AMAM Feira de Santana será em um bairro periférico da zona sul da cidade, naquela região onde o Tomba é a referência, e que o Portal de Notícias BA Online já se tornou parceiro deste grande movimento e vai continuar te informando sobre ele. Vamos em frente !!!