No aguardo do STF, familiares e sobreviventes da Kiss pensam nos próximos passos

 A decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli em manter o resultado original do júri do caso da boate Kiss é vista por sobreviventes e familiares das vítimas como uma oportunidade de virar uma página, mas não deve encerrar a luta por justiça.

 
Agora, o próximo passo deve ser dado na CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos), vinculada à OEA (Organização dos Estados Americanos).

“A gente busca a responsabilização do Estado brasileiro”, diz Gabriel Rovadoschi Barros, presidente da AVTSM (Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria).

Segundo a advogada Tâmara Biolo Soares, que defende os sobreviventes e familiares na CIDH, uma das razões para que o caso fosse admitido pela Corte no último dia 11 é que o sistema de Justiça brasileiro não deu uma resposta efetiva às vítimas. “O fato de ter levado tantos anos, quase 10 anos para o júri e 11 para que a justiça começasse a ser feita, constitui uma demora injustificada”, diz.

O incêndio, ocorrido na madrugada de 27 de janeiro de 2013 em Santa Maria (RS) após o uso de artefatos pirotécnicos no show da banda Gurizada Fandangueira, causou a morte de 242 pessoas e feriu 636.

Segundo Tâmara, o pleito é mostrar a responsabilidade de “diferentes atores públicos -prefeito, secretários, fiscais, inclusive promotores do Ministério Público- que contribuíram porque não impediram que a Kiss funcionasse, apesar de todas as suas irregularidades”.

O relatório de admissão do caso aponta possível negligência e falhas administrativas que podem ter influenciado na tragédia.

Em 2013, inquérito da Polícia Civil gaúcha apontou que a casa de shows tinha alvarás irregulares, estava em superlotação, com janelas obstruídas e sem saídas de emergência adequadas.

Em julho, uma reunião na CIDH discutiu a ação do Estado brasileiro perante grandes tragédias, como os incêndios na Kiss no Ninho do Urubu no Rio de Janeiro, os deslizamentos em Mariana e Brumadinho e o afundamento de bairros em Maceió. As tragédias, somadas, causaram a morte de 544 pessoas.

Os representantes das vítimas e do Estado serão ouvidos, e a comissão, integrada por sete comissários eleitos pela assembleia-geral da OEA, vai decidir se há base para punição.

Nesse caso, a CIDH pode fazer recomendações como a indenização financeira das vítimas, pedido público de desculpas do Estado brasileiro e medidas legais de não repetição, como adoção de legislações de segurança.

A expectativa da advogada é que a comissão decida que o Estado seja responsabilizado por “violações do direito à vida, à integridade pessoal e ao acesso à justiça de vítimas sobreviventes e familiares”.

Procurado pela Folha de S.Paulo, o Itamaraty disse em nota que a análise da CIDH está no início, e que ainda ainda não se manifestou nesta etapa processual. Ainda segundo o ministério, o Estado brasileiro se solidariza com os familiares e vítimas, e “respeita o direito dos seus representantes de peticionar junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos”.

O Itamaraty representa o país em cortes internacionais, e coordena a defesa em litígios em articulação com a AGU (Advocacia-Geral da União).

O Ministério Público gaúcho foi procurado, mas ainda não retornou.
Em 2013, 28 pessoas foram apontadas pela Polícia Civil como responsáveis, incluindo o então prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (MDB), que foi alvo de um inquérito arquivado. Foram indiciadas 16 pessoas: nove por homicídio com dolo eventual, quatro por homicídio culposo e três por fraude processual.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul denunciou oito pessoas, dentre elas os quatro réus condenados por homicídio, e foi criticado por não incluir mais agentes do poder público na denúncia.

Ainda não há definição se a decisão do ministro Dias Toffoli será levada a julgamento via turma ou a plenário. Em ambos cenários, se a decisão for mantida pelos outros magistrados, o processo deve voltar a Porto Alegre para que a 1ª Câmara do Tribunal de Justiça do RS siga com o julgamento do mérito das apelações dos réus.

O caso chegou ao STF após o Tribunal de Justiça do RS anular o julgamento pelo júri popular apontando supostas irregularidades no rito processual, determinando um novo júri. A decisão foi avalizada pelo STJ, e seguiu ao Supremo.

Na análise de Toffoli, as nulidades apontadas pela defesa não foram apresentadas no momento processual correto. Ainda de acordo com o ministro, a anulação violou a noção de um júri soberano.

Os quatro réus foram encaminhados novamente à prisão para cumprir as penas que variam de 18 a 22 anos e meio.

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