A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) está preocupada com a capacidade de o Brasil julgar casos de corrupção internacional, e aponta como um exemplo das dificuldades a recente decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli que anulou as provas advindas do acordo de leniência da Odebrecht. A apreensão da entidade está expressa em relatório de um grupo de trabalho dedicado a casos de suborno internacional, divulgado nesta quinta-feira, 19.
O documento reconhece os esforços do Brasil para implementar a Convenção Contra o Suborno Transnacional, mas afirma que as autoridades brasileiras investigaram apenas 28 das 60 alegações de suborno no exterior identificadas até o momento. O relatório diz, ainda, que as regras brasileiras não são eficientes para enquadrar pessoas físicas: desde 2014, nenhum indivíduo recebeu condenação definitiva, e oito das nove pessoas acusadas foram absolvidas por causa do prazo de prescrição.
A última avaliação do tipo foi publicada em outubro de 2014. De 43 recomendações feitas à época, o Brasil conseguiu seguir 16 total ou parcialmente, segundo o grupo de trabalho da OCDE. O relatório publicado ontem diz respeito à quarta fase de implementação no País da Convenção Contra o Suborno Transnacional da organização. Trata-se de um acompanhamento sistemático, sem relação com o processo de adesão do Brasil à OCDE. A convenção é um acordo internacional para coibir a prática de multinacionais de pagar propinas em países estrangeiros. Entrou em vigor em 1999, e o País se tornou signatário em 2002.
Contexto
A decisão de Toffoli – cujo nome é mencionado apenas em uma nota de rodapé no documento de 117 páginas – aparece no contexto de possíveis problemas para a implementação de barreiras à corrupção internacional. Depois de expor a eficiência dos acordos de leniência para punir a corrupção por parte de empresas, a OCDE recomenda que o grupo de trabalho “acompanhe as possíveis consequências que esta decisão possa ter sobre os acordos de leniência do Brasil em questões de suborno estrangeiro, em particular, na medida em que possa afetar sua segurança jurídica”.
A decisão de Toffoli, tomada no início do mês passado, atendeu a um pedido da defesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e tornou nulas todas as provas obtidas dos sistemas Drousys e MyWebDayB. Conforme relataram os próprios executivos da Odebrecht, os sistemas eram usados pela empreiteira para fazer a contabilidade do pagamento de propinas a agentes públicos. Apesar da anulação das provas, o acordo de leniência da empresa continua válido, e cópias das provas continuam existindo em uma sala-cofre na Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília.
Em nota, o STF disse que a leniência da Odebrecht não foi anulada pela Corte e continua “eficaz”. A determinação de invalidar as provas já havia sido tomada por outro integrante do tribunal. “A decisão proferida pelo ministro Dias Toffoli aplicou referida decisão aos pedidos de extensão formalizados por outras partes que se encontravam na mesma situação do pedido original, tudo na forma de reiterada jurisprudência da Corte”, afirmou o Supremo no comunicado.
O relatório da OCDE é assinado pelo Grupo de Trabalho sobre Suborno (WGB, na sigla em inglês), e foi elaborado a partir de uma visita da equipe da organização ao Brasil em maio. A decisão de Toffoli que anulou as provas do acordo da Odebrecht foi tomada em setembro, quando a primeira versão do documento já estava fechada. As menções ao assunto foram incluídas posteriormente no relatório.
Transparência
“A decisão do STF que levou à anulação das provas do acordo de leniência da Odebrecht certamente foi recebida com grande preocupação pela OCDE e por outros grupos que estão avaliando o Brasil e também lançarão em breve os seus relatórios, como o Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional, ligado ao G-7) e a Uncac (Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção)”, afirmou o economista Bruno Brandão, que é diretor executivo da Transparência Internacional no Brasil.
“Trata-se do maior caso de suborno transnacional da história. E isso não é a Transparência Internacional que está dizendo, é o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Então, a anulação dessas provas vai gerar uma preocupação internacional significativa. É sintomático que essa decisão, que, em tese, está fora do marco temporal do relatório, tenha sido citada várias vezes, mostrando a relevância desse acontecimento”, disse Brandão.
Equilíbrio
O diretor da Transparência Internacional destacou que a convenção da OCDE surgiu para tentar “equilibrar o jogo” entre empresas de países europeus e dos Estados Unidos. “Nos anos 1970, os EUA criaram uma lei criminalizando o suborno transnacional, o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act). E isso passou no Congresso dos EUA porque havia disputa de mercado entre as empresas americanas. Umas estavam perdendo mercado para outras por causa de práticas corruptas. E aí os europeus fizeram a festa. Os EUA tinham essa lei mais restritiva, e os países europeus dando incentivo tributário para a corrupção. Você podia deduzir do imposto (o pagamento de propina no exterior)”, disse.
“Mercados emergentes como o Brasil, que têm importância no mercado global, também passam a ser responsabilizados. Passam a assumir responsabilidades pela operação das suas empresas”, afirmou Brandão. “Empresas brasileiras tiveram uma operação gigantesca de exportação de corrupção. A Odebrecht (hoje Novonor) é o caso mais conhecido.”
O relatório faz recomendações como a edição de lei específica para proteger denunciantes (whistleblowers), especialmente no setor privado.